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Plano de Emergência Social e Económico para o Algarve - 2020/2021

A Covid-19 é a primeira pandemia da era da globalização e atingiu, de forma muito rápida, todos os continentes e nenhum país tem conseguido aplicar instrumentos para a debelar de forma eficaz, impedindo que não haja graves consequências sociais e económicas por um período dilatado no tempo, enquanto não existir uma vacina ou tratamento contra o novo coronavírus. Esta pandemia pôs a nu as fragilidades da economia do país, assente fundamentalmente nos setores das exportações e do turismo e que ainda não se tinha refeito totalmente da última crise que ainda se fazia sentir de forma violenta há 5 anos atrás.

São necessárias medidas de fundo para o país, estruturais, investimento público, para alavancar a economia e a sociedade e impedir uma recessão de consequências incalculáveis. De todas as regiões do país, o Algarve surge como a mais vulnerável e se não forem tomadas medidas extraordinárias a curto e médio prazo os impactos da crise irão revelar-se catastróficos.

A vulnerabilidade do Algarve prende-se com o modelo económico que tem imperado nas últimas décadas, assente quase exclusivamente na atividade turística. Assim, o emprego na região continua fortemente concentrado nos serviços, 83% do total, muito pelo peso do turismo, bem acima dos 69% no país. Já a agricultura, produção animal, floresta e pesca representam apenas 5%, enquanto os restantes 12% se referem à indústria, construção, energia e água.

O Algarve contribui para o turismo nacional, com cerca de 20 milhões de dormidas anuais, mais de 50% do total de dormidas a nível nacional, quase 20 mil milhões de euros, representando no entanto apenas 5,5% do PIB nacional. O turismo, baseado no sol e mar, tornou-se no principal motor económico regional, acabando por impulsionar a construção e o imobiliário (com elevados índices de especulação), mas que condicionou a diversificação económica e a inovação. A forte especialização da atividade

turística focada no produto dominante de “sol e mar” conduziu a enormes restrições nas outras atividades, com particular incidência na agricultura e nas pescas. O turismo de sol e praia capturou a maioria dos investimentos na região.

Esta monocultura do turismo conduziu a uma forte concentração do emprego nesta área, assente na sazonalidade, numa crescente precariedade, numa política de baixos salários e em ritmos de trabalho infernais. O direito ao trabalho com direitos foi assim relegado para segundo plano.

As desigualdades territoriais no Algarve agravaram-se nos últimos anos. Dos mais de 450 mil habitantes, 49% vive ao longo da costa numa faixa de 2 quilómetros, o que representa 9% do território. Os outros 51% distribuem-se pelos restantes 91% do território regional. O barrocal algarvio e as serras do Caldeirão e de Monchique apresentam graves problemas de envelhecimento da sua população e de desertificação humana, com as consequências daí decorrentes. As portagens na Via do Infante contribuíram para o aumento das assimetrias regionais. As secas e as alterações climáticas fazem aumentar ainda mais as dificuldades do Algarve.

A pandemia da Covid-19 colocou a descoberto as debilidades do tecido económico regional, muito mais do que qualquer outra região do país, com exceção da Madeira que, no entanto, é uma Região Autónoma e com mais força para enfrentar a crise. A não existência da Região Administrativa é um outro aspeto negativo do Algarve. Chegou a altura de inverter o paradigma de desenvolvimento do Algarve através de mudanças estruturais no seu tecido económico e social. Agora temos essa oportunidade e perdê-la, ou não fazer nada, será continuar a reincidir no mesmo erro e o pagamento, no futuro, será muito elevado.

Essas debilidades fizeram-se logo sentir ao nível do desemprego. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística no passado dia 8 de maio, o aumento do número de desempregados por mil habitantes durante o mês de março em relação ao mesmo período do ano passado no Algarve atingiu 125,5%. A média nacional de novos desempregados entre os 15 e os 64 anos por mil habitantes situou-se nos 8,2, mas no Algarve a média foi 16, quase o dobro. No continente também diminuiu em março o número de pessoas que conseguiu trabalho por meio dos centros de emprego, sobretudo no Algarve com menos 53,8%, enquanto na Área Metropolitana de Lisboa foi

menos 37,6%. Só o Algarve representou 20% da subida do desemprego em março e ainda não se conhecem os dados referentes ao mês de abril.

Na região há milhares de micro, pequenas e médias empresas que recorreram ao lay-off e que, se não forem objeto de apoios extraordinários quando terminar esta medida, pura e simplesmente irão à falência, lançando para o desemprego milhares de pessoas. Muitas destas empresas vivem, direta ou indiretamente, do turismo, restauração, comércio e sem clientes não conseguirão sobreviver. Teremos uma onda de pobreza e miséria nunca antes vista. O facto de muitas pessoas viverem a recibo verde, dos biscates e trabalho informal, cujos rendimentos descerão drasticamente, irão agravar as manchas de pobreza. Não terão rendimentos para fazer face às necessidades mais elementares.

Assim, devem ser canalizados apoios extraordinários para pessoas e empresas nos próximos tempos, priorizar o investimento público, as moratórias devem ser alargadas enquanto durar a crise, combate à sazonalidade, a todas as formas de precariedade e ao desemprego promovendo o trabalho com direitos, o direito à habitação para todos, defesa intransigente das minorias, concessão de linhas de crédito a fundo perdido, isenção ou redução de impostos e taxas, concessão de benefícios fiscais para a instalação de novas empresas direcionadas para a diversificação económica, apostar na inovação tecnológica e nas energias renováveis, reforçar a melhoria dos serviços públicos, em particular no SNS e na Escola Pública, apostar numa melhor mobilidade, promover a criação de uma rede de creches públicas, reforçar o papel da Universidade do Algarve e promover a criação de um plano de eficiência e sustentabilidade hídrica na região, como a melhor forma de combater e mitigar as alterações climáticas.

PLANO DE EMERGÊNCIA ECONÓMICO E SOCIAL PARA O ALGARVE

A Comissão Coordenadora Distrital do Bloco de Esquerda/Algarve apresenta um Plano de Emergência Económico e Social do Algarve, para dar resposta às consequências da Covid-19, assente nas seguintes PROPOSTAS:

1. Deverá o governo canalizar meios financeiros para a constituição ou reforço de Gabinetes de Emergência Social Anticrise junto das Câmaras Municipais para dar

uma melhor resposta, de forma célere e eficaz, a quem se encontra com necessidades alimentares, habitacionais, de acesso a medicamentos, falta de meios para pagamento de contas domésticas, impostos e taxas, rendas de casa, vítimas de violência doméstica e outras necessidades básicas. Nesta crise ninguém pode ficar para trás.

2. Alargar o período das moratórias para pagamento das rendas de casa, impedindo os despejos, e de empréstimos contratuais, sem juros ou outras despesas acrescidas, a quem comprovar ter dificuldades económicas.

3. Canalizar um fundo financeiro de emergência com recurso ao Orçamento do Estado ou a fundos comunitários, com um complemento adicional a linhas de crédito sem juros, para salvar famílias e empresas (micro, pequenas e médias empresas), impedindo a falência destas e um desemprego avassalador.

4. Deverá o governo, em articulação com a ANMP, propor iniciativas legislativas com vista à suspensão, isenção ou redução dos impostos e taxas municipais para os agregados familiares, (principalmente detentores de primeira habitação), e micro, pequenas e médias empresas, para os anos de 2020 e 2021.

5. Deverá o governo, em conjugação com as Câmaras Municipais e as Direções das Escolas e Agrupamentos Escolares, garantir que todos/as os/as alunos/as da escolaridade obrigatória disponham de um computador ou tablet, com acesso à internet, para o ensino à distância, ou nas aulas presenciais. Deverá ser garantido igualmente, para todos/as os/as alunos/as, educadores/ras e professores/ras, as necessárias condições de trabalho e de segurança.

6. Promover a criação de um fundo de apoio, por parte do governo em conjugação com as autarquias, para a concretização de projetos culturais, a ser implementados por artistas ou entidades regionais nas plataformas online, como forma de mitigar a perda de rendimentos por parte desses artistas devido à Covid-19.

7. Criar um “Observatório de Coordenação Regional” para este período excecional de pandemia e no futuro próximo de agravamento dos seus efeitos sociais e económicos, envolvendo as diferentes forças políticas e entidades regionais,

como a AMAL, IEFP, ACT, USAL, RTA e Universidade do Algarve, entre outras, para acompanhamento, divulgação e formulação de propostas para o combate à crise.

8. Prevenir qualquer tipo de discriminação exercida sobre os mais vulneráveis ao abrigo da pandemia, crianças, idosos, pessoas vítimas de violência doméstica, abuso patronal, minorias étnicas, comunidade LGBTI, imigrantes, sem-abrigo ou outros setores que se encontram mais desprotegidos.

9. Deverá o governo em conjugação com as autarquias promover a criação de uma rede de creches públicas, integradas no sistema educativo e gratuitas, e de uma rede de lares e centros de dia igualmente públicos. A pandemia veio mostrar a necessidade urgente dessas creches, lares e centros de dia.

10. O poder central, em articulação com as autarquias, deverá promover um plano para a reabilitação ou construção de habitação acessível social, ou para arrendamento a custos controlados, para fazer face às gritantes carências habitacionais. A habitação é um pilar do estado social e um direito fundamental para todos.

11. Promover o combate à precariedade laboral e a outras formas de abuso patronal, reforçando a ACT/Algarve com mais inspetores e equipamentos, de modo a garantir o trabalho com direitos para os trabalhadores.

12. Avançar com a construção do Hospital Central do Algarve e dotar os Hospitais de Faro e Portimão com os recursos financeiros, humanos e técnicos necessários, recuperar valências ou idoneidades perdidas melhorando a assistência hospitalar e as condições de trabalho e salariais dos seus profissionais.

13. Incrementar os cuidados de saúde primários, assim como a implementação de um programa intensivo de bons hábitos alimentares e da prática desportiva na população.

14. Suspensão das portagens na Via do Infante, pelo menos enquanto não estiver concluída a total requalificação da EN125, como forma de diminuir os acidentes rodoviários, de combate às assimetrias e às dificuldades de pessoas e empresas em tempos de pandemia.

15. Avançar com a total requalificação da EN125, resgatando a concessão entre Olhão/Nascente e Vila Real de Santo António, o que irá melhorar a mobilidade na zona do Sotavento/Algarve.

16. Proceder à modernização/eletrificação da linha ferroviária regional, incluindo o material circulante, processo que já está previsto e que deve ser acelerado com investimento público criador de emprego.

17. Promoção de incentivos fiscais para a instalação e reconversão de empresas com vista à diversificação da economia regional, orientadas para outras atividades económicas que não seja o turismo de “sol e mar”, como indústrias de conservas, de laboração de produtos agrícolas da região, outros tipos de turismo (natureza, património, cultura, gastronomia, observação de aves, etc.), ligadas às novas tecnologias, ao conhecimento científico, à produção de energias renováveis e outras áreas, com o respeito pelos padrões ambientais, criando assim empregos sustentáveis, duradouros e melhor remunerados.

18. Criar uma parceria entre a Universidade do Algarve, AMAL, Associações Empresariais, Sindicatos, com o objetivo de diversificar o Algarve economicamente, olhando para o mar, a agricultura sustentável e restantes recursos naturais, com o foco na sustentabilidade ambiental.

19. Equacionar a criação de um Parque Tecnológico ligado às Ciências do Mar, assim como a criação de outras vertentes que possam trazer para o Algarve recursos que elevem o conhecimento e o emprego no Algarve.

20. Começar a preparar o Algarve para a reconversão profissional imprimindo um novo leque de formações, com o objetivo de reconverter profissionalmente uma parcela importante dos trabalhadores, de forma a que possam obter trabalho saindo da situação de desemprego ou dos apoios sociais.

21. Canalizar apoios, recorrendo ao Orçamento de Estado ou aos fundos comunitários, para defesa das atividades ligadas à pesca, viveirismo e marisqueio e, em particular, da pesca artesanal, o que passa pela defesa sustentável dos recursos piscatórios, as áreas de aquacultura não devem colidir com a pesca, rever o Acordo Fronteiriço do Guadiana, apoiar a renovação da frota e pesca

costeira e artesanal e alargar os Centros de Formação a nível regional para quem quiser trabalhar na pesca e atividades ligadas ao mar.

22. Avançar com um plano de requalificação dos portos de pesca e lotas que se encontram degradadas, desassorear portos, barras e canais como exemplo de investimento público que potencia a criação de emprego

23. Apoio aos pequenos produtores em situações de quebra de escoamento de produtos, incluindo a disponibilização de apoios financeiros a fundo perdido, incentivadores do desenvolvimento de produções para abastecimento de mercados locais e circuitos curtos, e em produções para substituição de importações, apoiando igualmente na absorção da produção nacional junto da grande distribuição com medidas de proteção para que os preços praticados não sejam injustos. Estes apoios serão essenciais para a prática de uma agricultura mais sustentável, em plena sintonia com os recursos naturais disponíveis na região.

24. Valorizar e apoiar as práticas agrícolas mais sustentáveis (agricultura biológica, permacultura, etc.,) e plantações autóctones, frutícolas e de sequeiro, mais resilientes, procurando limitar a produção agrícola intensiva, diminuindo o elevado consumo de água e reduzindo assim os impactos negativos sociais e ambientais.

25. Reativar e requalificar os centros de formação agrícola, como o Centro de Experimentação Agrícola de Tavira, para formar equipas de reflorestação, manutenção e defesa da paisagem agrícola e da floresta do Algarve.

26. Avançar com processos para a reutilização da água a partir das ETAR para regas de jardins e campos de golfe, fins agrícolas e industriais e lavagem de ruas, e elaborar estudos para a possível construção de centrais de dessalinização com o recurso às novas tecnologias e à utilização de energias renováveis.

27. Avançar para a elaboração de um Plano Regional de Eficiência e Sustentabilidade Hídrica no Algarve, considerando que a água potável poderá faltar dramaticamente na região, no futuro, em virtude das secas e das alterações climáticas e do crescente consumo do turismo, da agricultura e das famílias.

28. Combate à especulação imobiliária e à construção de projetos turístico-imobiliários, procurando impedir novos atentados ambientais como construções na orla litoral e zonas sensíveis do Algarve, defendendo assim as suas áreas naturais e protegidas (cujos exemplos mais recentes são os projetos para a construção da “Cidade Lacustre de Vilamoura” e de “João D’Arens”, este último considerado “a última janela virada para o mar” no concelho de Portimão.

29. Orientar mais apoios para a Universidade do Algarve, reforçando o seu papel como motor da investigação e conhecimento do desenvolvimento do território, dinamizando projetos inovadores e em articulação com a economia e a sociedade da região.

30. Canalizar apoios para a comunicação social regional e local, como a comunicação escrita e online e as rádios locais, que se encontram na primeira linha de produção e divulgação de notícias a nível regional sobre a pandemia e as suas consequências a nível sanitário, social e económico.

Algarve, maio de 2020

A Comissão Coordenadora Distrital do Bloco de Esquerda/Algarve

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