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Gaza ou gueto de Varsóvia?

Resistência à perseguição, à morte gratuita, ao extermínio. No gueto como em Gaza, ambos sitiados no interior de um muro construido, ontem pelos nazis, hoje pelos sionistas. Ambos em revolta, no desespero de não ter para onde fugir da terra que era a sua.

Esfomeados, quase sem recursos, os judeus polacos construiram túneis que os ligavam a outros pontos de Varsóvia e por onde se abasteciam de comida, medicamentos, armas para resistir. Como hoje em Gaza os túneis foram as ruas subterrâneas dos palestinianos para sobreviverem ao bloqueio israelita que, desde a vitória democrática do Hamas em Janeiro de 2006, lhes impediu o comércio, a compra de alimentos, de combustível, de medicamentos, deixando uma cidade inteira, de uma das zonas mais populosas do mundo, vegetando na fome e quase sem recursos.

Traficando armas pelos túneis construídos sob o bloqueio de Israel. Sim, o Hamas e outros palestinianos traficam armas, como o fizeram os resistentes gregos, italianos, franceses... Como o fizeram os judeus do gueto de Varsóvia para resistirem aos nazis.

 

Israel não trafica armas porque as recebe impune e arrogantemente dos seus aliados americanos, seus protectores e cúmplices na guerra de agressão a outros países. Um dos mais poderosos, em proporção o mais poderoso exército do mundo, que se abate, na histeria da surpresa e da carnificina, sobre mais de um milhão de pessoas, bombardeando por terra, mar e ar. Destruindo praças e mercados, a Universidade e escolas, hospitais e abrigos da ONU. Matando centenas de mulheres e centenas de crianças, quase 900 mortos, mais de 3600 feridos, trágica estatística de três semanas de massacre.

Porque o Hamas e o povo de Gaza se atrevem a resistir e no seu desespero de vítimas encurraladas, traficam pelos túneis, terríveis e perigosíssimas armas que à luz do dia se transformam em pedras, em pistolas e metralhadoras, só úteis na luta directa das ruas e do corpo a corpo, ou em roquetes artesanais que lançam à toa sobre Israel, ou completamente em vão contra os seus poderosos tanques, bombardeiros e navios.

Israel não cava túneis para alimentar uma população faminta, porque, não satisfeito em se ter constituído como um estado artificial na terra desde sempre palestina, prosseguiu a ocupação de mais e mais território, ora por guerras de agressão, ora pela implantação de colunatos. Uns e outros ilegais e por cima de todas as resoluções da ONU. 

E, se em 2005, encenaram uma retirada unilateral de Gaza, destruindo tudo o que deixaram para trás, foi para logo a cercarem e lançarem nova campanha expansionista ocupando grande parte da Cisjordânia e inviabilizando ainda mais a possibilidade de um estado palestiniano independente.

Israel não cava túneis porque agora, como nunca antes, as melhores terras, quase todas as terras, são suas, a produção, as fábricas, a tecnologia, o saber, os empregos, tudo é seu. E a Gaza, à Palestina, resta-lhes ser uma colónia retalhada, um submundo em regime de apartheid.

Resta-lhes ainda e sempre a raiva e a justiça da sua causa. Como aos judeus de todo o mundo orgulhosamente restou terem sobrevivido ao holocausto nazi. Apesar de gazeados nos campos de concentração, de metralhados no Gueto de Varsóvia.

Será que o heroismo das vítimas de então se vai hoje, definitivamente, transformar no sangue dos carrascos?

 

Faro, 14/01/09

[publicado no Região Sul]