Para mal dos nossos pecados, atingiu e instalou-se. Bateu nos ricos e bateu nos pobres. Mas é grande a diferença da pancada. Uns levaram anos a fio a encher-se, desde os lucros escandalosos da Banca, aos super lucros dos grupos económicos, até às mordomias e aos ordenados milionários de gestores públicos e administradores privados. Os outros levaram anos a fio a apertar o cinto da austeridade do défice, da redução salarial da competitividade, da carestia do orçamento.
Chegam à grande crise em posições muito afastadas: uns na vanguarda dos tachos, os outros na cauda da pobreza; no mesmo país – campeão europeu das desigualdades!
O Governo sabe-o bem, Sócrates não é cego, mas de olho no lance finta a verdade. Com dois pesos e duas medidas. Para que os ricos não se deixem de encher, prontamente lhes abriu os cofres do Estado numa linha de crédito, geral e democrática para a Banca “saudável”, de mais de 30 mil milhões de euros. E que sobem muito mais, somados à salvação dos aflitos BPN, BCP, BPP e aqueles que ainda resta ver.
Das suas auto-indemnizações, prémios, trafulhices, fraudes e crimes, condóí-se muito e fecha os olhos. Como os fechou Constâncio, constantemente. Mesmo jogando em casa, fecha os ouvidos aos relatórios do Tribunal de Contas, às propostas de João Cravinho, aos protestos de Manuel Alegre. Tudo para que “o nosso país não fique mal visto lá fora”!?
Mas pouco se importa que assim fique quando se trata dos pobres e remediados. (Justiça lhe seja feita, os seus colegas Sarkozy, Berlosconi, Barroso e Cia, batem-lhe palmas). Para aqueles a sua atitude é outra. Engodo quanto baste e demagogia reforçada.
O engodo, porque para o ano há eleições, é o novíssimo “plano contra a crise”. Mas, comparado com o porco dos ricos, é bem magro o chouriço: 2 mil e 180 milhões de euros servidos numa ementa toda ela requentada. O anúncio de novo de medidas já previstas como a construção de novas escolas, a atribuição de estágios e apoios a empresas, e estes, na maioria dos casos, apenas para valer em 2009. O previlégio ao reforço dos empresários, quase sem fiscalização e contrapartidas. E não existe uma única medida que toque no essencial: o combate à pobreza e às desigualdades e uma mais justa distribuição da riqueza.
No entanto, esta é uma chaga cada vez mais extensa e grave em Portugal. Assim o diz mais uma voz insuspeita, Manuela Silva, presidente da Comissão de Justiça e Paz, organismo da igreja católica para a acção social, que sente a necessidade, também ela, de que sejam taxadas as grandes fortunas e os salários exorbitantes de gestores e administradores.
Mas para o 1º ministro, engodo, só apenas quanto baste. E para que não restem dúvidas, o fisco aí está em larga operação de caça à multa sobre os mais fracos e desprotegidos, mais de 200 mil recibos verdes, duplamente vítimas da burocracia fiscal e do desrespeito patronal que lhes dá trabalho de vez em quando mas os força sempre a manterem-se na falsa condição de “empresários por conta própia”. Para recordar como o engodo não esconde a extorsão, refira-se apenas o novo Código de Trabalho que permitirá aos patrões reduzir os salários dos trabalhadores e facilitar os despedimentos e a precariedade. De tal modo que até Cavaco, sempre tão cordato, tem dúvidas nesta matéria e a enviou para o Tribunal Constitucional.
Já a demagogia, Sócrates serve-a a rodos. Ouví-mo-lo, pasmados, discursar que 2009 será melhor para as famílias, pois os combustíveis irão ser mais baratos porque o preço do petróleo está muito baixo. Como se ele e o seu governo tivessem alguma influência nessa baixa do petróleo! Mas o que não vemos é usar o poder que tem, esse sim, para forçar que os combustíveis acompanhem na baixa o preço do petróleo. E com o mesmo descaramento fala das sucessivas diminuições da taxa Euribor, quando nada fez para que a taxa de juro do Banco Central Europeu tenha baixado e quando nada faz para forçar os bancos portugueses a acompanharem de mais perto essa baixa.
Para a mudança a sério que faz falta, o caminho é outro, o de persistir na luta cidadã e dos trabalhadores no enfrentamento do Governo e na acção e convergência da pluralidade das esquerdas.
Faro, 16/12/08