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União Europeia: reforma interna ou saída já?

A proximidade das eleições para o Parlamento Europeu e a leitura do Manifesto eleitoral do Bloco de Esquerda, assim como do “Manifesto por um novo internacionalismo para os povos europeus”, apresentado por um conjunto de activistas políticos e sociais de vários países da Europa, levaram-me a esta reflexão sobre os dilemas que a pertença à União Europeia vem colocando.

Qual é o sentido de se dizer que a UE e a zona euro são irreformáveis e, ao mesmo tempo, continuar no Parlamento Europeu e a elaborar programas de candidatura e propostas para nele defender e procurar a aprovação? Em vez de se defender pura e simplesmente, e desde já, a saída da Zona euro e da UE?

Julgo que esta aparente contradição tem justificações válidas:

Porquê defender que a UE e a zona euro são irreformáveis?

Porque o são no respeito e no prosseguimento das suas próprias regras e políticas. Ou seja, em favor dos interesses populares, nunca serão auto-reformáveis, por mais que as suas contradições e as suas políticas agravem essas mesmas contradições e provoquem mais crise económica. Os seus governos e estruturas vigentes não pretendem de modo nenhum reformar-se através de alterações minimamente próximas das propostas que a esquerda radical reclama. As reformas que defendem, e vão pondo em prática, são num sentido que aprofunda ainda mais o seu carácter anti-social e antidemocrático. Os documentos atrás citados apresentam variados exemplos destas situações.

Por outro lado, a orientação que se pretende reformista num sentido positivo para os povos, defendida pelos sociais-democratas que, por mero taticismo, ou por alguma moderada convicção, não se renderam por completo ao neoliberalismo, não pretende, nem aceita sequer equacionar, as indispensáveis rupturas com os tratados e a desobediência às imposições da UE. Considera que as suas regras e ditames são erros de visão, que a prova dos factos levará a corrigir. Vive a ilusão de que a sua pressão e as pequenas alterações, praticamente inócuas face às manobras dos grandes monopólios e ao poder neoliberal seu servidor, poderão ir-se gradualmente acumulando até à rectificação das políticas neoliberais. O PS português é um bom exemplo desta postura.

Porquê não defender, desde já e à partida, a saída do Euro e da UE?

Porque a maioria das populações da maior parte dos países a elas pertencentes, incluindo Portugal, na presente conjuntura, não comunga com essa proposta. Por outro lado, onde essa saída imediata foi colocada (Brexit) ou onde os governos mais contestam a UE, tal é feito sobretudo com os argumentos da extrema-direita, anti-imigrantes e refugiados, xenófobos e islamófobos, mantendo o apoio ao neoliberalismo económico, ou contestando-o numa retórica pseudo defensora dos trabalhadores, nacionalista e autoritária de tipo Trump, mas que não põe em causa o capitalismo, nem a sua acção colonial e imperial.

No entanto, de um ou do outro modo, cresce uma grande descrença e descontentamento contra as políticas da UE e dos governos seus defensores. Mas a ausência ou a presença pouco visível de uma alternativa anticapitalista coerente, faz com que, nesse descontentamento, predomine, ou a visão chauvinista, ou o sentimento de que qualquer saída é um salto num abismo muito pior do que a desgraça da situação actual. Não é reconhecido um outro caminho, considerado impossível. Alguns sectores, sensíveis já à alternativa anticapitalista, não se sentem porém com um mínimo de força e confiança para lutarem por ele. O exemplo do que aconteceu com a Grécia, as ameaças e impasses do Brexit, as penalizações das agências de rating, a apregoada omnipotência dos mercados, o culto do individualismo, etc., são tudo factores que ainda mais paralisam as populações, e, aos sectores mais desesperados ou conservadores, os atiram para os braços da extrema-direita.

Como responder a este dilema?

Em primeiro lugar, julgo necessário reconhecer que são ainda muito minoritários, embora em variada gradação, os eleitores que já aderem às propostas da esquerda radical. E que, para que essas propostas possam ser postas à prova, na tentativa de se concretizarem, é indispensável ganhar muito maiores sectores populares para o seu apoio. A experiência grega, por um lado, os insucessos de governos progressistas, por outro, mostram como esse apoio e a acção própria popular é condição sem a qual não será possível, tanto evitar a capitulação da direcção do processo, como resistir às chantagens e boicotes terríveis que inevitavelmente surgem para esmagar a concretização de políticas alternativas ao neoliberalismo capitalista.

Para que essa adesão cresça é fundamental um trabalho de acção directa com as populações, com os sindicatos e os outros movimentos sociais, na sua defesa contra os males das políticas da UE e da Zona Euro, de debate e convencimento sobre a inevitabilidade de romper com os tratados, de equacionar e levar à prática a reestruturação da dívida, o controlo público da banca, a renacionalização de sectores básicos da economia, para alguma vez vencer essas políticas e esses males. Só à medida que a maioria da população se vai convencendo disso, fazendo suas estas propostas, e agindo por si própria para enfrentar as políticas neoliberais e as querer substituir pelas medidas contrárias, é que as propostas de saída do Euro ou da UE terão força para ganhar a ordem do dia e, ainda assim, como sendo a inevitável resposta à chantagem e às medidas extremistas da UE para estrangular a vontade popular e destroçar os seus direitos e condições sociais.

Mas os anticapitalistas não são, desde já, pelo fim do capitalismo?

Claro que são! E não devem ter medo de o dizer. Mas uma coisa é dizê-lo, outra é pôr esse objectivo como imediato para os dias de hoje. Ele deve ser a nossa bússola, sempre presente como orientação das lutas de curto e médio prazo, no âmbito local, como no global.

Assim também, a não pertença à UE e à zona euro é necessária para a concretização da emancipação dos povos dos países que delas fazem parte ou a elas pretendem aderir. Para tal, o que está na ordem do dia é a luta pelas propostas alternativas da esquerda radical e o debate com as populações de que, para as implementar, é indispensável desobedecer aos tratados e imposições da União.

Nesse debate é importante afirmar que, perante as chantagens e boicotes da UE, pode ser necessário pôr em causa a permanência na União, e que, para o caso de nos forçarem a saída, ela deve ser desde já estudada e prevista. Como serão os episódios concretos dessa disputa, não sabemos. Até pode acontecer que, no meio de todas as contradições e divergências que hoje grassam na UE, esta se desagregue por si. Mas o que sabemos de certeza, é que se assim for, isso não irá trazer melhorias para os povos, antes os confrontará com novos e maiores ataques austeritários, medidas antidemocráticas e militarismos agressivos.

Também por isso, é importante que, com muito maior intensidade e argumentos, sem tibiezas, a esquerda radical denuncie os poderes e ditames da UE. Afirme a certeza de que eles nunca se auto-reformarão, e que não têm qualquer autoridade para quererem continuar a governar o destino dos povos europeus, face ao ascenso das extremas-direitas, quando foram eles, pelas suas políticas, os principais responsáveis por esse crescimento. E que hoje continuam esse mesmo caminho, negociando com elas o poder e adoptando muitas das suas propostas.

Só assim a esquerda radical poderá surgir aos olhos dos povos como a verdadeira alternativa às políticas, às injustiças e autoritarismos da União, retirando às extremas-direitas o apoio de que o seu nacionalismo reaccionário e fascista e a sua demagógica oposição à UE têm beneficiado.