O núcleo de Faro da Associação José Afonso - AJA, o Cineclube de Faro, a CÍVIS – Associação para o Aprofundamento da Cidadania, e a Sociedade Recreativa Artística Farense - "Os Artistas", este coletivo com o apoio ao acolhimento, cruzam em 3 momentos na cidade de Faro, o cinema, a música, e o debate para celebrar e assinalar os 50 anos do Maio de 68, dando seguimento a uma ideia do núcleo de Faro do Bloco de Esquerda.
As comemorações começam já no próximo dia 12 de maio, pelas 16h00, com a exibição do documentário "No intenso agora", de João Moreira Salles, no IPDJ, e, pelas 21h30, com a exibição de outro documentário, "O fundo do ar é vermelho", de Chris Marker. Ambas as sessões são de entrada gratuita.
A música da década de 60 do século passado – quer a de tradição de resistência quer o pop e o rock n'roll – surge com uma vocação transcontinental e capaz de divulgar com tremenda eficácia os novos imaginários nos idos de 68 no contexto da mudança e expansão de novas formas culturais. Disso mesmo nos dará conta o musicólogo Pedro Pyrrait na sessão musical (DO)COMENTADA a ter lugar na Sociedade Recreativa Artística Farense "Os Artistas", na tarde de dia 19, sábado, pelas 16h30.
O historiador e militante de esquerda Fernando Rosas, o encenador e o ex-exilado político Hélder Costa e o também ex-exilado político João Martins, ambos residentes em Paris à altura dos acontecimentos, são os convidados de honra do núcleo de Faro do Bloco de Esquerda para questionarem e debaterem a questão que se impõe: "O que não aconteceu e que podia – devia? - ter acontecido? Pode-se repetí‑lo?", pelas 18h00, no auditório do IPDJ.
Este movimento político acredita que, no tempo actual, política e ideologicamente exigente, vale o esforço de um olhar crítico sobre a História que actualize a compreensão do presente, no confronto com as ideologias que se mascaram na roupagem da sua invisibilidade, escamoteando uma das aprendizagens de Maio de 68.
PROGRAMA:
dia 12 de maio, sábado, IPDJ Faro(Rua da PSP, Faro)
CINEMA/TERTÚLIA (ENTRADA GRATUITA)
16h00 - NO INTENSO AGORA de João Moreira Salles | Brasil | documentário | 127’ | 2016 | M/12
Apresentação de Manuel Dias Afonso
21h30 - O FUNDO DO AR É VERMELHO, (parte I) de Chris Marker | França | 90' | 1977
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dia 19 de maio, sábado, Os Artistas (Rua do Montepio, Faro)
MÚSICA/VÍDEO
16h30 - MÚSICA (DO)COMENTADA - Conversa com Pedro Pyrrait (músicologo)
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dia 3 de junho, domingo, IPDJ Faro (Rua da PSP, Faro)
COLÓQUIO/DEBATE
18h00 - COLÓQUIO/DEBATE com a participação de Fernando Rosas, Hélder Costa e João Martins
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As memórias colectivas, se delas não cuidamos regular e criticamente, correm o permanente risco de apagamento: ou porque o tempo passa ou porque sempre chega o tempo de rasurar os acontecimentos que perturbaram ou alteraram mesmo a velha “ordem natural das coisas”.
Os “acontecimentos de Maio de 68” - designação que contorna o desejo de uma outra classificação: “revolta”, “revolução” - foram um fenómeno de clarividência, como se a sociedade visse, de súbito, o que ela tinha de intolerável, e visse também a possibilidade de outra coisa. (…) O acontecimento cria uma nova existência, produz uma nova subjectividade – novas relações com o corpo, o tempo, a sexualidade, o meio, a cultura, o trabalho.
Cours, camarade,le vieux monde est derrière toi!
Corre, camarada, o velho mundo está atrás de ti!
É extensíssima a rede de ocorrências que (se) implicam no Maio de 68 e que alargam as suas fronteiras geográficas e temporais. A guerra do Vietnam, os conflitos raciais nos EUA, o seu reflexo mais pacifista ou mais anti-imperialista na Europa ou no Japão, a exigência de liberdade nos países da América latina sob ditadura, o ensaio de revolta e o seu esmagamento na Checoslováquia, tudo exibe o novo protagonismo da juventude, particularmente a estudantil, e o radicalismo das manifestações, das ocupações dos campus, dos confrontos violentos com as polícias.
Em França, nos anos imediatamente anteriores a 68, com os sintomas da crise do fim dos Gloriosos 30, agricultores, trabalhadores agrícolas, operários, estudantes anunciam o que está para vir: a resistência à economia que empobrece, aos ritmos de trabalho em nome da produtividade, ao desemprego que cresce e ameaça, recorre a greves prolongadas, a ocupação de fábricas, a manifestações e confrontos com a polícia que erguem barricadas e encontram nos pavimentos as armas de arremesso.
Simultaneamente, constituem‑se e expandem-se novas formas culturais, também elas protagonizadas por adolescentes. A música, sobretudo, – quer a de tradição de resistência quer o pop e o rock n'roll – surge com uma vocação transcontinental e capaz de divulgar com tremenda eficácia os novos imaginários.
Maio pode, então, acontecer e reeditará, no tempo concentrado de um mês, todas as anteriores formas de luta e reunirá- nem sempre, uma vezes mais outras menos – aqueles todos protagonistas.
Aqui, limpamos o pó.
Exagerar, eis a arma!
Um fim de semana não revolucionário é mais sangrento que um mês de revolução.
Poder operário. As fábricas para os operários.
Amai‑vos uns sobre os outros.
Façam amor e recomeçai.
Decreto o estado de felicidade permanente.
Consideremos uma síntese, inconcludente na sua enunciação e que, assim, determina a formulação de uma interrogação ainda hoje pertinente:
(…) no momento em que a França conta com o maior número de grevistas da sua história, em que os operários ocupam as fábricas, em que o sindicato da polícia anuncia que deixará de exercer repressão, em que o Banco de França não pode continuar a imprimir notas por falta de operários dispostos a trabalhar, em que, como mais seguro sinal do abalo do poder burguês, camadas tão periféricas como os arquitectos, os ciclistas profissionais, os assistentes hospitalares e os notários se decidem 'contestar' o regime (…)
É certo: a família, as igrejas, a política, as relações sociais e íntimas, a militância associativa e partidária foram reconfiguradas em Maio e continuarão a sê‑lo nos anos seguintes,
- porém, o que não aconteceu e que podia – devia? - ter acontecido? E, então: pode-se repetí‑lo?
No tempo actual, política e ideologicamente exigente, vale o esforço de um olhar crítico sobre a História que actualize a compreensão do presente, no confronto com as ideologias que se mascaram na roupagem da sua invisibilidade, escamoteando uma das aprendizagens de Maio de 68 – a ideologia é auto-referencial, denuncia-se na declaração da sua inexistência, da sua morte.
O que propomos é um conjunto de três encontros motivados pelo cinema, pela música e pela conversa em que se reflicta a(s) estórias e a História do Maio de 68, também como pretexto de problematizarmos o nosso presente.